Artigos
O estranho
Rosa Albé
O Inquietante, O estranho, O sinistro
São essas as diferentes traduções para “unheimliche” ainda que sejam palavras que evocam vivências distintas. Além disso, Freud nos lembra que o inquietante varia individualmente.
Muitas línguas não têm uma palavra para essa nuance do assustador. Na França falam no inquietante, sinistro, lúgubre; em espanhol: suspeitoso, lúgubre, sinistro; em árabe, demoníaco, horripilante; em alemão: familiar, domesticado x receio angustiado, espectral; mas parece que se refere a tudo que deveria permanecer oculto e em segredo mas apareceu.
É nesse sentido que quando Freud se pergunta que significado tem o inquietante, ele mesmo responde dizendo que é algo assustador que pode remontar ao familiar. Como o familiar pode tornar-se inquietante, assustador?
Freud exemplifica com o conto “O homem de areia” de Hoffmann: o homem de areia que sempre arranca os olhos das crianças. Freud se refere, nesse texto, ao medo em relação aos olhos, medo que estaria ligado à angustia do complexo infantil da castração.
Heimlich pode desenvolver seu significado no sentido da ambigüidade indo desde heimlich até coincidir com seu oposto, unheimlich. Essa é uma experiência ameaçadora, quando uma pessoa que é ligada ao bem pode aparecer ligada ao mal, ao insuportável ou estranho. A ambigüidade é difícil e pode fazer com que uma pessoa ou experiência ligada à confiança ou que deveria estar ligada à confiança possa sofrer a irrupção da ameaça do mal.
Todo afeto pode ser transformado em angustia e ser reprimido e o elemento angustiante é esse reprimido que retorna. Isso quer dizer que o inquietante pode ser algo muito familiar que pela repressão alheou-se da psique. Teme-se a volta ou a vingança do reprimido e do excluído.
Freud nos lembra do quanto pode ser inquietante a onipotência do pensamento: medo do mau-olhado e de pressentimentos, exemplos de forças ocultas que são ameaçadoras pela ausência de domínio sobre elas. Também a repetição não deliberada torna inquietante o que pode ser normalmente inofensivo. É a evidência de que algo desconhecido tem vida própria e que pode assumir o domínio sobre o sujeito.
Não há leis que regulem essas forças. Lembro-me de um filme em que a personagem descobria ou constatava que podia antecipar acontecimentos, poder que revelava o amedrontador desconhecido.
Pode ser inquietante tudo que se relaciona com a morte, com cadáveres e com o retorno dos mortos: o mal assombrado. Vivido como ameaça que vem de dentro ou que vem de fora. Mas a ameaça é do retorno dos excluídos, dos mortos, dos banidos seja pelo que for. Retornam para que? Não querem morrer sozinhos?
É essa a história de Lucifer, anjo querubim, o mais bonito e com mais sabedoria que se recusou a louvar o ser humano criado por Deus. Na verdade, queria seu próprio trono acima dos humanos e até mesmo acima de Deus e foi vencido na batalha celestial, condenado ao inferno eterno, transformando-se em Satã. Essa luta não acaba e muitas e muitas vezes ouvimos falar das forças demoníacas que estão sempre ameaçando o homem.
A dúvida de que um ser ou objeto aparentemente inanimado possa ganhar vida é freqüentemente apavorante e constatamos isso nas figuras de cera e autômatos, em algumas histórias.
Também a figura do sósia, a telepatia, a dubiedade com a vida e a morte, a incerteza dos limites é sempre assustadora.
A utilização atual de robots e da inteligência artificial sempre evoca o receio de uma relação em que o bem e o mal estão próximos demais. O mal aparece ligado à possibilidade de domínio do criador pela criatura, mostrando a sempre presente importância do poder nas relações.
É inquietante também o fato de que o desenvolvimento tecnológico e científico parecem não ter limites e, sobretudo, almejam destruir os limites, enquanto que o ser humano só se desenvolve reconhecendo e aceitando seus limites.
A pergunta é : se o desenvolvimento tecnológico e científico é aparentemente sem limites, qual será o desdobramento desse desenvolvimento? Será possível para o ser humano manter-se nessa relação e terá ele possibilidade de metabolizar tudo o que ele próprio produz e na velocidade em que o faz?